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de Fevereiro de 2015. Setenta anos, setenta anos. Só fui nascer 21 anos após a
grande batalha pela tomada de Monte Castelo, na região da Emília-Romagna
italiana. Era 1945 e a Segunda Guerra Mundial estava se aproximando do final.
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Monte Castelo ao fundo. |
E
eis aqui a reflexão momentânea nas entrelinhas da competição radioamadorística
ARRL CW (Telegrafia) Contest, após café e o jornal, enquanto Belo Horizonte e
outras cidades preparam homenagens aos ‘pracinhas’ pela conquista de Monte
Castelo (Norte da Itália), exatos 70 anos atrás. Sim, os ‘pracinhas’, homens da
Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial, história que tão
pouca gente conhece hoje em dia. E nem eram só homens (lembrem as enfermeiras)
e muito menos apenas soldados (recordando pilotos do Senta a Pua e Olho Neles,
além dos marinheiros).
Estou
frente aos rádios (e lá se vão 34 anos), café tomado, girando o ‘dial’ entre
ruídos de estática, pontuando uma estação aqui e outra acolá. O Radioamadorismo
é uma das portas para o mundo. É preciso uma parada, já que a campainha tocou e
o carteiro chamou - correspondência!. O pacote, desfeito, mostra o livro de
Durval Lourenço Pereira, “Operação Brasil - O ataque alemão que mudou o curso
da Segunda Guerra Mundial”, enviado pelo amigo Marco C Spinosa (justamente hoje
agraciado com a Medalha Mascarenhas de Moraes), e com dedicatória do autor.
Do
Carnaval, e a passagem por Sorocaba, nova conexão com o passado e o interesse
pelo que se passou com os Brasileiros durante o maior conflito bélico do Século
XX. E de repente, o mundo se apequena uma vez mais.
Visitados
os parentes, e aproximando-se a hora do retorno para o lar jaboticabalense na
quarta-feira de Cinzas, resolvemos visitar Milton Marinho Martins, que conta 93
anos de idade, mas não foi para a Guerra, embora tenha sido preparado para isso
pelo Tiro de Guerra em Sorocaba (minha cidade natal).
Milton
foi Professor e membro de algumas instituições culturais (inclusive o Gabinete
de Leitura Sorocabano, outrora parada diária de meu avô materno), autor do
livro “Sorocaba e a Segunda Grande Guerra”.
Em
meia hora, descobrimos que parece não haver, a esta altura, nenhum ‘pracinha’
sorocabano vivo - pudera! - já que os mais novos estariam certamente na casa de
seus 90 anos de idade. Isto é surpreendente, especialmente se feita a
comparação com Jaboticabal, que mandou seis homens para a Guerra e até dois
anos atrás ainda contava com pelo menos um sobrevivente.
Da
conversa que envolveu os temas históricos pertinentes, vieram outras surpresas
a comprovar que “o mundo é tão pequeno”. Ao perguntar meu nome todo, Milton se
lembrou de duas passagens envolvendo ancestrais.
Ciente
de que meu avô era atuante presbiteriano, curioso e sempre interessado em mais
saber, citou que Amin Aidar ia com certa freqüência até a Catedral para ouvir
um padre católico famoso pela oratória, de nome Francisco Sancro (ou algo
assim). Todavia, não entrava, e acompanhava os sermões das escadarias.
Milton
também afirmou ter ouvido de terceiros que meu tio-bisavô materno (acredita
minha mãe) era conhecido como Nhonhô Picapau por um motivo peculiar. Para os
fogôes a lenha, era preciso ter sempre a madeira cortada em pedaços pequenos, o
que dispendia certa mão-de-obra e tempo. Quando procurado em sua casa, a
resposta de quem atendia a porta era geralmente algo como “... está a picar
pau” ou “... está picando pau”. Pronto, está feita a história.
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Subindo para Monte |
E é
para a história que voltamos, ao deixar a casa de Milton Marinho Martins. Em
algumas placas pela cidade, encontramos os dizeres “Parada de Tropeiros”, e foi
assim que Sorocaba começou, 361 anos atrás.
Depois
de algumas horas de viagem, deixando pelo caminho Salto, Itu, Indaiatuba,
Campinas, Cordeirópolis, Rio Claro, São Carlos, Ibaté, chegamos em Araraquara
para o primeiro encontro com o veterano José Marino neste ano. Surpreso e muito
feliz, foi logo nos saudando como “comandantes”, já nos colocando para dentro
de casa.
Levávamos
na bagagem outro fruto da viagem sorocabana. Usamos os serviços da Copiadora
Abreu (especializada em arquitetura e engenharia) para escanear e imprimir em
tamanho natural, mapa do entorno de Montese, nos Apeninos Modaneses, Norte da
Itália. O detalhe é que o tal mapa é original, editado pelas Forças Armadas
Americanas em 1944 para uso dos aliados em combate. Com uma cópia, conversamos
um pouco mais com o ‘pracinha’ Marino sobre seu trabalho como operador de
morteiro, nas frentes de Monte Castelo e Montese.
Em
abril próximo, José Marino estará conosco nos mesmos locais que conheceu, sob
outras circunstâncias (bem piores!), em 1945. Ele tem memória privilegiada e
condição física invejável para alguém que completará 95 anos no Dia
Internacional da Mulher - 08 de março. Será a primeira vez que sai do país após
a Segunda Guerra Mundial.
Tudo
é parte de um evento especial e único, rendendo homenagem apoteótica aos 25.334
homens e mulheres do Brasil que lutaram contra o nazi-fascismo durante a guerra
entre 1944 e 1945. Além de alguns veteranos, todos na casa de seus noventa
anos, haverá a participação de quase trinta Jeeps e Dodges produzidos entre
1941 e 1945, e que serão transportados do Brasil para a Itália por via marítima
patrocinada, visando um roteiro que contemplará, entre os dias 21 e 28 de abril
de 2015, parte das cidades que viram os ‘pracinhas’ lutar, então num dos piores
invernos europeus em 40 anos (v.g. Camaiore, Massarosa, Bombiana, Monte
Castelo, Montese).
Eles
merecem, e nosso Jeep Willys MB 1942 estará lá.
Definitivamente,
não é possível explicar racionalmente porque tanto interesse nesse período da
História do Brasil e Mundial. Mas está aí, aconteceu, as teorias são as mais
variadas. Difícil é fazer com que as pessoas entendam a distinção entre a
valorização do conceito histórico de verdadeiros heróis, e o envolvimento
político a eles relacionado. A tendência é sempre a de misturar os canais, o
que acaba prejudicando o resgate dos fatos, soterrados sob as ideologias
políticas de quaisquer vertentes.
Ana
e eu não desistimos e cremos que a História da Força Expedicionária Brasileira
pode e deve ser divulgada, especialmente como forma de homenagear um dos poucos
heróis tipicamente brasileiros - o “Pracinha”.
E
assim voltamos a 21 de fevereiro de 1945. Era a quarta investida em três meses
contra Monte Castelo. A narrativa não precisa se estender, pois há vários
artigos e livros disponíveis sobre o assunto, inclusive na “internet”. A
intenção aqui, inclusive, não é a de esgotar o tema, mas apenas chamar a
atenção para a celebração dos setenta anos da conquista, lembrando que em algum
lugar do passado, tivemos “heróis” em ação, como José Marino, que alguns meses
depois, foi ferido por estilhaços de granadas nazistas na luta pela cidade de
Montese.
Monte
Castelo caiu, não sem levar a morte dezenas de brasileiros. E setenta anos se
passaram.
Ana
e eu tivemos condições de visitar vários locais percorridos pelos “pracinhas”
na Itália, a partir de 2010. Nada pode ser mais sublime do que o carinho
dedicado pelos italianos aos soldados brasileiros e nada se compara com a
alegria deles ao dizerem que “foram libertados por brasileiros”, como se fosse
(e foi!) a coisa mais improvável do mundo.
Numa
das viagens, estacionamos o carro próximo a Monte Castelo, e iniciamos a
caminhada da base ao topo pelo meio do mato, que não é “fechado” como aqui. Bem
calçados, sob temperatura amena, e levando nada em peso além da máquina
fotográfica, gastamos duas horas para todo o percurso e chegamos cansados. Foi
muito fácil imaginar o que esse caminho representou para homens que nunca
tinham visto a neve e que enfrentaram o trajeto até o topo sob o fogo cruzado
das “Lurdinhas”, carregando dezenas de quilos em uniforme e equipamentos.
Muitos deles não foram poupados e se transformaram, como atestam os
sobreviventes, nos verdadeiros heróis.
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Zocca (ITA) |
Este
texto expressa nosso reconhecimento aos esforços dos heróis que não voltaram,
mas também dos que resistiram a guerra e ao tempo para contar a história como
ela foi vista por seus olhos. Não é só Marino, ainda firme em seus 95 anos de
vida - são tantos outros que freqüentaram nossa vida e que colaboraram para
nosso crescimento como pessoas, gente inesquecível como o Ten-Brig. Rui Barbosa
Moreira Lima e sua esposa Julinha, Meirinha, Goulart, Stéfani, Lansillote,
Motta, Pires, Zito, Vinícius, Osias, Varela, Areinha, Cruchaki, Buyers, Lincoln, Anselmo,
Carlota, Pedro Paz, Inhan, Ruy, Taitson, Medrado, João Garcia, Cláudio... A
lista não tem fim!
Ana
e eu somos gratos pela opção que fizemos e estamos felizes por sermos
reconhecidos, entre os veteranos e seus descendentes, pela defesa de sua
valorização como ícones da historiografia contemporânea do Brasil.
Aos
21 de fevereiro de 2015, registramos nosso agradecimento a você, PRACINHA,
herói do Brasil.
Setenta
Anos da Batalha de Monte Castelo - Força Expedicionária Brasileira.